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A bissexualidade não é complexa

Atualizado: 15 de out. de 2020

Texto de Natasha Avital, arte via McGill.


Um dos maiores sintomas do monossexismo é o fato da bissexualidade e outras formas de atração por mais de um gênero serem apresentadas como uma sexualidade mais complexa do que as outras, algo que requer explicação, investigação e desconfiança, e mesmo quando apresentadas sob uma luz positiva, serem muitas vezes exotificadas sob o olhar de "prova de que a sexualidade humana é complexa".


Ora, não deveria causar muito mais espanto que a sexualidade de algumas pessoas se desenvolvam de forma a se voltar a apenas um gênero? Não é mais complexa uma sexualidade que literalmente exclui milhares de pessoas de seu espectro de atração? Não é mais "prova de que a sexualidade humana é complexa" o fato de que muita gente tem atração por apenas um gênero quase que na totalidade do tempo, mas é capaz de "abrir exceções" em ocasiões específicas ou uma única vez na vida? Se você perguntar a uma pessoa na rua o que significa ser um homem hétero, a grande maioria vai responder que é “gostar de mulher”. Mas se essa mulher tem, ou já teve, um pênis, a heterossexualidade desse homem é muitas vezes colocada em xeque. Ao mesmo tempo, quem segue a visão transfóbica de que gênero é determinado pelo genital, dificilmente consideraria hétero um homem cisgênero que se atrai por outro homem, ainda que ele tenha vagina.


Existe também em muitos contextos culturais a noção de que um homem hetero é aquele que ocupa um papel exclusivamente “ativo” nas relações sexuais (inclusive com outros homens).


Os exemplos acima demonstram que, como muito bem colocado em nosso texto mais recente pelo Cláudio Ká Filho: “os monossexuais nem ao menos decidiram se gostam de gênero, de sexo ou de genital”. Ou de papéis sexuais.


Somando a imensidão de possibilidades de atrações humanas combinada com a monossexualidade poderíamos passar horas brincando com cenários: Qual a orientação sexual de uma mulher lésbica que continua com sua companheira depois que essa pessoa se percebe um homem trans? De um homem hétero que tem atração por uma personagem feminina drag queen interpretada por outro homem? Um homem que se identificava como gay e passa a namorar uma pessoa não-binária transmasculina é bi por ter atração por mais de um gênero ou gay por se atrair apenas por pessoas masculinas? E no caso de um homem que antes se identificava como hétero? É bi por ter atração por mais de um gênero ou hétero por se atrair apenas por gêneros diferentes do seu?


(Spoiler: as pessoas nos cenários acima “são” o termo que elas acharem que faz mais sentido pra elas e pras pessoas com quem se relacionam. Não existe “jeito certo” de ser hetero, gay, lésbica, bi, pan, tampouco alguém tem obrigação de adotar um rótulo pra si ou de carregar esse rótulo pro resto da vida). Percebe-se que o efeito dessas indagações é quase cômico, pois é impossível catalogar de forma tão simplista as atrações e relações humanas e decidir “o que alguém é” como alguém que cataloga raças de cachorro. No entanto, a monossexualidade vem tentando catalogá-las desde sempre, fazendo com que muitas vezes heteros, gays e lésbicas entrem em crise ao perceber uma atração por um gênero pelo qual nunca haviam sentido antes.


O que é curioso é que apesar destas questões muitas vezes gerar tais crises, também não é incomum que elas sejam encaradas sem muito drama. Não é à toa que apesar do monossexismo ser comum nos meios gays e lésbicos, existe até uma expressão no vocabulário LGBT para o ato de um gay ou lésbica transarem com alguém do dito “sexo oposto”: “quebrar louça”. Não é à toa que apesar da transfobia da sociedade muitas pessoas entendem tranquilamente que atração por uma mulher trans não torna nenhum homem gay. Não é à toa que todos os dias pessoas que se identificam como monossexuais continuam com parceires que transicionam.


No entanto, parece que quando essa naturalidade ao lidar com a fluidez e diversidade das atrações humanas e com as surpresas que a vida nos reserva em nossas atrações e relações é uma naturalidade constante, nomeada como tal (“bissexualidade”, “pansexualidade”) ela se torna subitamente incômoda e incompreensível. É irônico que uma das formas mais comuns pelas quais monossexuais tentam nos “entender” é pela pergunta binarista “de qual você gosta mais?” Não porque pessoas bi não possam ter preferências, mas porque uma atração indistinta por mais de um gênero parece incompreensível ao monossexismo.


O fato da sexualidade mais simples de explicar e entender (atração que inclui todos os gêneros) ser colocada na chave do inintelingível a ponto de pessoas que a possuem serem constantemente pressionadas a provarem que realmente a possuem e que a afirmação de que ela simplesmente NÃO EXISTE seja vista como uma posição legítima mostra o quanto a sociedade é fundada no monossexismo.

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