Por Maria Eduarda
A psicologia, ao longo de sua história, é focada a partir de uma leitura teórica cisheteronormativa que, em transmissão da teoria para a clínica, produzem intervenções discriminatórias, estigmatizantes, violentas e patologizantes. A produção de saber da Psicologia, dentro das questões de corpos e sexualidades de gênero, corrobora, e ainda continua corroborando, com discursos religiosos, científicos e morais que constituem pensamentos e produções psicopatológicas de experiências como uma forma de controle e opressão sobre o outro, que se cristalizam em um sistema de sofrimento e se internalizam. Esta é uma estratégia do regime médico e farmacêutico que tentam manter esses sujeitos sempre em vulnerabilidade para produzir corpos doentes, anormais e criminosos, favorecendo procedimentos cirúrgicos, antidepressivos e hormônios.
Pensando na sociedade atual, nas potências que os movimentos sociais e corpos dissidentes estão ganhando nos discursos das mídias, política e nas escolas, é imprescindível enfatizar cada vez mais que a Psicologia tem o dever de acompanhar, produzir e atualizar pautas que comprometem as subjetividades e o bem-estar do sujeito contemporâneo. Entretanto, uma psicologia de perspectiva cisheteronormativa determina descrições universalizantes, cria-se apagamentos de subjetividades pois a lógica heterossexual como única forma de possibilidade exclui todas as outras formas de identidades enquanto fenômeno social, sofrendo procedimentos de exclusão e abjeção, marcando intimamente suas subjetividades, sobretudo no que se refere à percepção de si.
Este talvez seja o maior desafio dentre as estratégias: encontrar rompimento de padrões convencionais junto às grades curriculares da formação de psicólogos quanto ao pensar as subjetividades fora do padrão cisgênero, branco, masculinista e europeu da Psicologia. Existe a urgência de promover uma discussão sobre a prática limitada de gênero e sexualidade nas leituras da Psicologia e sua matriz curricular a fim de não se perpetuar a cisheteronormatividade e demais formas de violências em prol da neutralidade terapêutica; e, a partir disso, não tem como colocar toda a culpa nos conceitos de autores do século passado. As discussões e demandas se movem, e a Psicologia deve acompanhar isso.
Se o currículo acadêmico não favorece esses debates, cabe aos novos psicólogos (as/es) o compromisso de introduzirem e produzirem a abertura de pesquisas sobre essa temática nos espaços de discussões. Cabe aos novos psicólogos (as/es) utilizar seus corpos, vivências e angústias como metodologia central para sua pesquisa, uma vez que suas localizações os fazem sentir falta de maiores representações nas mídias, nas pesquisas e instituições de ensino. Elaborando, então, suas próprias epistemologias e acessos que falam sobre si e de toda uma comunidade para que suas subjetividades sejam reconhecidas socialmente.
É indubitável que o conhecimento e o acesso à universidade são possibilidades restritas a poucas pessoas. Contudo, o conhecimento é transformador e deve ser algo de direito a serviço de toda a população para que mais pessoas produzam conhecimentos com novos olhares e pluralidades, sem se resumir em uma única experiência. Excluir os recortes sociais é oferecer uma escuta normatizada, atravessada de violências e violações racistas na construção da história do sujeito. É de extrema importância o profissional de psicologia construir um espaço de legitimação e acolhimento, que objetive o alívio do sofrimento de subverter determinados papéis sociais e estereótipos, bem como criar outras alternativas nas quais o sujeito possa ter um espaço confortável de elaboração de sentidos partindo da sua história. O setting, portanto, deve ser uma folha em branco na qual o sujeito deve escolher qual história contar.
Entretanto, é de extrema importância ressaltar que a questão do problema, pensando em uma clínica LGBTQIA+ e despatologizante, não é pressupor que o outro sofre por ser LGBTQIA+. Afinal, isto cai mais uma vez em uma patologização. Ao invés disso, cabe compreender que as dissidências sexuais e de gênero sofrem mais precariedades e vulnerabilidades sociais e de saúde mental devido às discriminações e estigmas das relações culturais cisheteronormativas. A ética da Psicologia não deve produzir mais violências, não sendo imparcial frente a traços culturais existentes de violências e discriminações. O fazer clínico, ético e político de análise deve estar entrelaçado com o acolher o outro em sua singularidade e poder deixar o sujeito se afirmar e construir no qual, muitas vezes, é seu único espaço de repensar seus processos.
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