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Carta de São Carlos

Atualizado: 7 de mai. de 2020

Carta do IV Encontro Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, promovido pelo Fórum Paulista LGBT


De 1 a 3 de julho de 2010, na cidade de São Carlos, realizamos o IV Encontro Paulista LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Esse encontro acontece juntamente com a II Parada do Orgulho LGBT de São Carlos, que não é mais somente a cidade da ciência e tecnologia, mas está passando a ser também a cidade da diversidade.


Em seu relatório anual denominado “Homofobia Estatal”, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexo – ILGA aponta que 86 países criminalizam a homossexualidade, sendo que sete deles com a pena de morte. São lentos os avanços na garantia dos direitos humanos no contexto internacional, com vários reveses. Neste momento, está em pauta impedir a aprovação da criminalização da homossexualidade em Uganda. Em diversos países, as manifestações do Orgulho LGBT são reprimidas pela polícia.

Frente a esse contexto, o movimento LGBT por meio de entidades como a ILGA e a ABGLT está envolvido no processo de incidência política pelos direitos LGBT frente aos organismos multilaterais (OEA e ONU) juntamente com diversas organizações internacionais de Direitos Humanos. Um tema importante da agenda do movimento é a questão da garantia da liberdade de identidade de gênero. Atualmente, está em curso uma campanha internacional de despatologização das identidades trans.

Milhões de LGBT ainda têm os seus direitos fundamentais violados diariamente em decorrência da violência e da ausência de leis específicas que criminalizem a homofobia. A pesquisa “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil…”,realizada pela Fundação Perseu Abramo, revela que 25% dos brasileiros são fortemente homofóbicos. Essa situação nos convoca para a luta em favor da democracia, pelos direitos humanos, pela igualdade e pela erradicação de todo tipo de discriminação. Na Constituição Federal, Art. 1o, incisos III e V, o Estado Brasileiro funda-se sobre a “dignidade da pessoa humana” e sobre o “pluralismo político”. Trata-se de afirmar o direito a ser diferente e a que essa diferença não seja transformada em desigualdade.

O lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e a criação da Coordenadoria de Promoção dos Direitos LGBT representam avanços importantes no executivo federal. No entanto, a limitação da estrutura do orçamento público para a efetivação das ações programadas ainda é evidente. É preciso avançar na transformação das atuais políticas de enfrentamento da homofobia em políticas de Estado.

No Congresso Nacional, a agenda dos direitos humanos, dos direitos sexuais e reprodutivos e da cidadania LGBT encontra-se interditada. O fundamentalismo religioso avança dentro do legislativo, viabilizando, por exemplo, a tramitação de iniciativas reacionárias como o “estatuto do nascituro”. Criminalizar a homofobia, instituir a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e permitir que pessoas transexuais e travestis alterem seu pré-nome e usem seu nome social são as prioridades do movimento LGBT junto ao Congresso Nacional. Há avanços no campo do judiciário. Depois de muitos anos em que eram poucas as decisões judiciais favoráveis ao reconhecimento de direitos das pessoas LGBT, limitadas a 1ª Instância e ao tribunal de justiça do RS, começam a surgir decisões no Superior Tribunal de justiça (STJ), como a que admitiu a legalidade da adoção por parceiras homossexuais e a caracterização de uniões homossexuais como entidades familiares. Entretanto, o acesso à justiça ainda é precário e a maioria dos crimes contra LGBT permanece sem a devida apuração e punições. As defensorias públicas não comportam a demanda e não estão preparadas para atender LGBT. Nós LGBT, ainda somos alvo fácil em um sistema judiciário que é pautado em grande parte pelos interesses da elite branca heterossexista, machista e homofóbica. O Judiciário Paulista, apesar de alguns avanços em outros tribunais estaduais e mesmo no STJ (Superior Tribunal de Justiça), se mantém como um dos mais conservadores e resistente ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares, e as poucas decisões favoráveis à pauta LGBT são isoladas e de 1ª Instância. Em São Paulo, foi criada a Coordenação de Políticas da Diversidade Sexual e regulamentada a lei 10.948, além de publicado o decreto que garante o uso do nome social. Entretanto, em um contexto geral de desmonte das políticas sociais do governo estadual, faltam políticas públicas concretas de promoção da cidadania LGBT e combate à discriminação, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança. É urgente a ampla divulgação da lei anti-discriminatória, nos moldes do que foi realizado no caso da lei anti-fumo. O plano estadual de combate à homofobia só será executado se houver recursos orçamentários e estrutura adequada, o que está longe de acontecer hoje. O Conselho Estadual deve ser constituído de maneira ampla e democrática. Na Assembléia Legislativa, vimos várias tentativas de revogação da lei 10.948 e nenhum avanço na tramitação e aprovação de legislações afirmativas para a população LGBT. A Frente Parlamentar Estadual pela Cidadania LGBT está desarticulada. Nos municípios, algumas Câmaras de vereadores têm aprovados leis de promoção de direitos LGBT, mas são avanços pontuais. As três primeiras edições do Encontro Paulista LGBT, aconteceram em 1999 (Campinas), em 2004 (São Paulo) e em 2006 (Assis). O Fórum Paulista LGBT foi criado a partir da deliberação do I Encontro, ganhou novo impulso a partir do II Encontro e desde então tem sido o espaço de debate e discussão do movimento LGBT no Estado, inclusive com projetos de fortalecimento institucional e de formação política. Hoje, o Fórum Paulista reúne 31 grupos e dezenas de ativistas independentes, em todas as regiões do Estado. O Fórum Paulista é um espaço plural e democrático, com a participação de diversas correntes políticas e ideológicas. Nesse Encontro, reforçamos a garantia de expressão das singularidades identitárias e a audição ativa de todas as demandas específicas em uma agenda comum. Acreditamos que somente com a participação de todas as identidades sexuais e de gênero, atravessadas por questões de classe, de raça, de gênero, de geração, regionais entre outras, manteremos a nossa capacidade de caminharmos juntos, reconhecendo e respeitando nossas diferenças. Travestis e transexuais estão entre os setores da população mais vulnerabilizados socialmente. Se por um lado são pessoas expulsas de casa desde muito cedo, por outro, o Estado e a sociedade não lhes oferece alternativas de sobrevivência digna. É preciso promover sua participação integral na sociedade, por meio de políticas que lhes assegurem acesso e permanência na educação, saúde, trabalho e previdência. É preciso combater a violência contra essa população, especialmente aquela a que estão submetidas as travestis, garantindo uma política de segurança cidadã, que tome por base os direitos humanos. A luta pela despatologização das identidades trans deve ser impulsionada de modo a assegurar os direitos e políticas públicas atualmente reconhecidos, como o acesso ao processo transexualizador. A misoginia e o machismo fomentam a invisibilidade das mulheres lésbicas e bissexuais, que enfrentam a naturalização das discriminações e das violências, no âmbito doméstico e familiar, nas escolas, nos atendimentos de vários profissionais da saúde e outras instituições, além da sociedade em geral. Mulheres são desestimuladas a participação nos espaços públicos, o que dificulta a inserção e fortalecimento no movimento LGBT. Estamos desafiados a enfrentar essas questões, promovendo o fortalecimento e o empoderamento dessas mulheres no movimento e nas políticas públicas. Bissexuais estão entre os setores menos visibilizados pelo movimento LGBT e sofrem formas específicas de homofobia. Essas formas de violência e discriminação passam, principalmente, pelo apagamento reiterado da existência das bissexualidades. Transformar essa realidade começa pelo respeito à auto-identificação das pessoas no movimento, pelo reconhecimento da orientação sexual de travestis e transexuais, pelo combate a essas formas específicas de homofobia e pelo acolhimento das/os parceiros/as heterossexuais de homens e mulheres bissexuais, de travestis e transexuais. A Juventude LGBT sofre com diversos tipos de preconceito e discriminação, é expulsa de casa ou encarcerada em seu próprio ambiente familiar, e vivencia situações de evasão escolar, violência sexual, física e psicológica, além da difícil tarefa de construir a sua identidade. As políticas públicas para a juventude devem levar em consideração as necessidades dos jovens LGBT. Em um primeiro momento, a discriminação sofrida por negros e negras LGBT, se inicia pelo racismo e se agrava pela discriminação por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Devido a tal realidade, o recorte étnico/racial deve ser contemplado na construção de políticas públicas e sociais. O Fórum Paulista defende a luta pela promoção dos direitos humanos da população LGBT. Esse encontro reconhece que essa luta só poderá ser bem sucedida se construída em conjunto com os demais movimentos sociais que constroem um Brasil mais justo, fraterno e igualitário. É fundamental caminhar na articulação e construção de bandeiras de luta comuns e ações conjuntas, sobretudo no enfrentamento do avanço do conservadorismo e do fundamentalismo religioso. A garantia da laicidade do Estado é um pressuposto para a conquista de nossos direitos, bem como de uma verdadeira democracia, é base para estabelecer e exercer o direito à diversidade com equidade e justiça. Para concretizar essas diretrizes, é necessário fortalecer o movimento LGBT paulista, o Fórum Paulista e a organizações filiadas, avançando nas seguintes questões:

  • organizar um dia estadual de luta contra a homofobia;

  • realizar a I Marcha LGBT a São Paulo, com pauta específica de reivindicações;

  • continuar o trabalho de ampliação da base do Fórum Paulista LGBT em todas as regiões, realizando novas caravanas, agregando mais municípios e grupos aos já existentes;

  • investir na formação política;

  • institucionalizar o Fórum Paulista e ter uma presença maior no cenário nacional;

  • priorizar a visibilização, organização, formação e empoderamento das lésbicas, bissexuais (homens, mulheres, travestis), travestis e homens e mulheres transexuais;

  • reforçar o diálogo e parceria com outros movimentos sociais;

  • construir uma plataforma LGBT e incidir no debate eleitoral de 2010;

  • investir na comunicação;

  • fortalecer alianças e diálogo com as universidades e centros de pesquisa e com os conselhos profissionais.


O IV Encontro Paulista LGBT convoca a todos e todas para a batalha pelos direitos LGBT e por políticas sociais universais.

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