Texto de Kaique Fontes. Na foto da esquerda para a direita: Wendy Curry, Michael Page e Gigi Raven Wilbur.
No último texto do Bi-Sides, eu e Ká trouxemos novamente a discussão sobre particularidades entre bi e pansexualidade, para propor o entendimento de que apesar de nossas semelhanças somos identidades e comunidades distintas. Hoje, o tom da discussão segue por caminhos parecidos, e convido a todes leitores que utilizem o que for escrito aqui como uma oportunidade de reflexão e autocrítica do movimento bissexual que estamos construindo, seja em âmbito individual ou coletivo.
Em 1999, três ativistas bissexuais estadunidenses - Gigi Raven Wilbur, Michael Page (criador da bandeira bissexual) e Wendy Curry - iniciam durante os eventos da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA) as celebrações do que hoje consideramos o dia da Visibilidade Bissexual. Internacionalmente o dia ganhou reconhecimento, sendo celebrado anualmente desde então. No texto intitulado “Celebrate Bisexuality” de 2004, Marilane Koutis comenta:
"Enquanto a maioria das pessoas que caminham de mãos dadas será rotulada como gay ou heterossexual, a comunidade bissexual está se esforçando para criar um nome em seu próprio direito, tornar-se visível e expor a história e a cultura das pessoas bissexuais. Apesar da persistência de suposições heterossexuais e homossexuais, os bissexuais vão em frente para exigir visões menos rígidas de sexualidade e apresentar uma visibilidade cada vez mais brilhante da diversidade da sexualidade."
Datas como o 23 de Setembro, ou o mês em si, são importantes para movimentos como o nosso, pois marcam acontecimentos que constroem historicidade e permite reflexões em relação às demandas que estavam sendo levantadas por bissexuais há mais de 20 anos atrás. O dia e mês da visibilidade surgem em um contexto onde pessoas bissexuais - já ativas nas lutas por direitos e reconhecimento desde o boom dos movimentos LGBTI+ na década de 1960 - avaliam que mesmo depois de quase 40 anos de luta, ainda haviam pautas a serem discutidas e espaços a serem explorados.
O motivo de trazer essas informações vem junto com a pergunta que talvez nós nos esquecemos de fazer ao longo dos anos, que é: qual é o tipo de visibilidade a comunidade bissexual espera? O que nós queremos?
Quando me refiro a comunidade bissexual, falo sobre ativistas que estão empenhados em criar conteúdo sobre pautas bi, sobre pessoas que comentam o assunto da bissexualidade na internet e fora dela, mas também sobre pessoas que se dizem bissexuais e que não estão necessariamente inseridas nesses espaços de discussão. E confesso que analisando esses grupos, sinto que estamos dispersos e que nossos objetivos enquanto grupo em busca de visibilidade, muitas vezes se perdem. Nós gastamos tempo e energia desmentindo rumores sobre uma binariedade que o Manifesto Bissexual e diversas outras literaturas já refutaram. Nós gastamos tempo e energia discutindo a relevância de outros termos para designar a orientação sexual de pessoas multissexuais e monodissidentes. Nós muitas vezes nos enganamos achando que a comunidade bissexual ainda há de ser consolidada, quando na verdade crescemos em força desde o início dos movimentos, sendo pioneires em muito do que foi feito até hoje.
Quando penso em visibilidade não me atento às discussões do twitter ou aos comentários bifóbicos que aparecem no feed do facebook a cada 2 segundos para discutir qual a sexualidade real da Ana Carolina ou do Renato Russo (ambos declarados bissexuais, mas tudo bem). Visibilidade é escancarar, ainda mais, a falta de dados que nós temos sobre nossa participação apagada nas articulações em conjunto com movimentos gay, por exemplo; continuar pautando a necessidade da construção de dados científicos que incluem pessoas bissexuais como categoria própria, reconhecendo que temos especificidades a serem observadas; é discutir cada vez mais a patologização de nossas vivências e combater as violências que enfrentamos em diversos campos da saúde; focar na construção de espaços em que a maioria NÃO SEJA BRANCA, NEM CIS. Falar de visibilidade deixou de ser reclamar da falta da palavra “bissexuais” no discurso ridículo do gay que está no palco falando sobre “LGBTQIAP+”, porque a visibilidade que eu quero e a validação que eu espero não virá deles. Ela vem de nós para nós mesmos enquanto comunidade que se firma coletivamente em prol de causas maiores, como as citadas e quantas mais surgirem ao longo de nosso caminho.
Há de se discutir como a bifobia, o monossexismo e o heterossexismo internalizam em nossas vivências a ideia de que a visibilidade que nós precisamos se assemelha ao tipo de visibilidade que outros movimentos conquistaram, sendo essa uma estratégia que nos convida a armadilha violenta de que somos aceitos aos olhos de quem nos discrimina.
A reflexão que trago para este setembro é justamente a de pensar estratégias de articulação que recusem o que é esperado de pessoas bissexuais e que tipo de visibilidade nós queremos alcançar. Nossos caminhos se fazem distintos ao pensarmos no desafio que nossa existência representa ao pensamento binário e monossexual de relações humanas. Esse mês eu quero que a gente se valide enquanto comunidade que historicamente se propõe a ser diferente do que já foi constituído no cenário hegemônico. A visibilidade que eu quero pro movimento bissexual é preta, indígena, amarela, PCD, travesti e não-binária. Setembro é nosso mês de refletir sobre nossos posicionamentos, discutir o que deve ser feito e rejeitar o que nos violenta. A visibilidade que nós devemos buscar e construir é pra nós.
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