Texto de Stephan Martins
Quando me convidaram para escrever um texto de Dia dos Pais enquanto pai bissexual, eu logo aceitei, pois quero muito falar disso. Entretanto, ao mesmo tempo fiquei sem saber o que falar; como relacionar a minha sexualidade com a minha paternidade?
Talvez seja mais fácil do que eu pensava.
Antes de tudo, é importante citar: sou uma pessoa não-binária e bissexual, pai de UTI de duas gêmeas que nasceram prematuras extremas de 28 semanas, um desafio de paternidade que perdurou por mais de um ano da minha vida. Hoje elas estão bem, mas aproveito esse texto para refletir o que o futuro pode me guardar enquanto pai bissexual (nanai é o termo neutro que encontrei, e me sinto confortável também com ele).
É sabido que homens bissexuais recebem um tipo de opressão e preconceito bem particular (fiz um vídeo sobre isso) e, apesar de entender hoje em dia que não sou homem, a visão externa ainda afeta a bifobia que sofro.
Quando eu tinha minha própria academia de arte marcial, eu já sofria um certo preconceito por ser uma pessoa gorda dando aulas. Mas quando me assumi para tudo e todos, fazendo questão de nunca me esconder enquanto bi, as coisas lentamente pioraram. Comecei a perder alunos, especialmente os infantis, e até um aluno adulto mais tarde me disse que o questionavam se eu o aliciava, se eu aliciava os meus alunos. Porque eu era bi.
Infelizmente esse foi um golpe debilitante. A Liga da qual participava não conseguia me ajudar, um dos motivos sendo que vivo numa cidadezinha pequena (28 mil habitantes) na Serra Gaúcha. Mas o maior motivo é que as pessoas com poder nessa hierarquia simplesmente não eram nem são capazes de compreender os desafios que uma pessoa LGBTQ enfrenta no meio das artes marciais, imaginem então uma pessoa assumida, fora do padrão e vista como aliciadora de alunos.
Eu penso muito como isso vai afetar quando minhas nenês crescerem, sabe? Como será quando elas trouxerem amiguinhes para casa? O que os pais das outras crianças pensarão de um pai assumido? Precisarei fingir que sou uma pessoa hétero e usar minha esposa, minha maridinha, como cortina de fumaça para me passar por alguém que não sou? E isso também envolveria o apagamento da minha identidade trans não-binária, pois eu não sou cis. Isso afetará possíveis amizades com outros pais, mães e cuidadores? E o pior, isso estimulará a exclusão das minhas filhas?
Esses pensamentos não são novos ou recentes, pois os carrego comigo desde quando engravidamos e decidimos que nossas gêmeas (nossas gems) seriam criadas sem gênero, para que no futuro possam decidir e se entender sem uma interferência da sociedade transfóbica e heteronormativa. Eu tenho a mais plena ciência de que isso pode torná-las um alvo de opressão, agressão e violência, mas isso é igualmente verdade se decidíssemos que elas são meninas ou meninos, apenas os desafios seriam diferentes. E como estamos na posição de pai e mãe delas, podemos ao menos fornecer o mais importante: um lugar seguro em casa (tantas pesquisas comprovam que esse é o fator número 1 para evitar o suicídio entre pessoas LGBTQ).
O desafio não é novo, não será solucionado durante o nosso tempo de vida, e talvez gere desafios novos para as gems quando elas crescerem. E por isso mesmo, não seria justo nem comigo e nem com minhas nenês que eu não fosse algo que não sou. Ser quem eu sou sem desculpa alguma e sem amarras algumas será o melhor exemplo que posso dar para elas.
Posso me chamar de pai. Ou nanai. Ou até mesmo buir, no idioma mandaloriano de Star Wars, que é de gênero neutro, aliás, e traz um ditado que sempre levo comigo:
“Ninguém se importa com quem seu pai foi, só com o pai que você será.”
No fim das contas, sou pai. Pai, não-binárie e bissexual.
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